sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Apetite pelo perigo


Interrompi as minhas férias para fazer este comunicado (post), por achar que é muito importante para a comunidade que frequenta este cantinho.

Depois deste espectacular começo, numa mordaz, súbtil e inteligente alusão ao nosso Presidente da República, venho aqui deixar um pensamento que já me acompanha há algum tempo.

Tenho constatado, por diversas vezes, que à medida que as pessoas vão ficando mais velhas, vão ganhando um outro apetite pelo perigo, um gosto pelo quase suicídio.

Tenho o prazer de trabalhar em Lisboa e, enquanto me desloco pelos meandros da cidade, verifico várias vezes que as pessoas mais velhas, podemos-lhe chamar mesmo idosos, atravessam as estradas, como é que eu vou dizer isto, à bruta, à maluca, à parva.

Passadeiras tá quieto! Quando passam, sim nas passadeiras, sinal verde para peões tá quieto!

É incrível, eu trabalho numa das mais movimentadas avenidas da Capital, que tem, ao mesmo tempo, um número reduzido de passadeiras, mas encontra-se, ao invés, preparada com travessias aéreas para peões. Muito bem, é ver os velhos a passar a avenida ao melhor estilo de um Kamikaze duplo de cinema, como se não houvesse qualquer perigo naquilo que estão a fazer. Isto não só nesta avenida, por toda a capital, é vê-los a passar sinais vermelhos para peões, mesmo no limite entre levar com um motociclo ou com um autocarro da carris na zona do cóccix, ou da bacia, passam avenidas onde os carros andam a velocidades extremas com a descontração de quem vê a novela da noite ou vai para a porta da caixa geral de depósitos todos os dias à 07h30 da matina.

Será que esta situação tem a ver com o facto, de a partir de certa altura, já não se tem nada a perder, pois, pura e simplesmente, a esperança de vida é menor? Não se choquem com isto, estamos apenas a pensar sobre o assunto, mas o que é certo é que a situação acontece, quando chegamos a velhotes podemos muito bem começar a pensar "AH, que se lixe, devo estar mesmo quase a patinar, mais dia menos dia não tenho nada a perder", pode também ser que se queira apenas curtir a velhice no fio da navalha, com o risco como melhor amigo, aproveitando, se calhar, para ter uma atitude que nunca se teve durante a vida toda. Provavelmente, quando eram mais novos e andavam com os filhos pela mão, defendiam exactamente o oposto, passar em segurança na passadeira, os filhos que os vejam agora!

Isto não deixa de ser um enorme circulo, começamos a precisar de ajuda para passar a estrada, transportados em carrinhos ou alcofas, depois ainda presos pelas mãos dos nosso pais, já queremos passar à frente dos carros, depois sim chega a altura de passar por tudo o que é local e momento perigoso, desafiando mesmo as leis do que é fisicamente possível, mais tarde começamos a respeitar para sermos respeitados, somos nós então que transportamos novas gerações, mais tarde então, chegamos a velhos e pronto, vamos aproveitar antes que as portas da nossa vida fechem. Curioso.

Gostava de saber se estes velhinhos, ao fim de semana, se juntam para saltar de pára-quedas, descer rápidos de caiaque, fazer queda-livre ou bungee jumping.

Engraçado mas estas pessoas de idade que atravessam as estradas, enfretando o perigo com um sorriso nos lábios, são os mesmos que ao final da tarde, calçam os chinelos por cima das meias e se sentam no sófá a rabiscar uma tv guia com um lápes, enquanto assistem às piadas do Fernando Mendes no Preço Certo.


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